No
mês de dezembro os dias iam decrescendo em aberturas de janelas de cartão que
nos ofereciam pequenos chocolates.
O
pai trazia o pinheiro que era colocado em frente às escadas que serviam a sala,
junto das portas de vidro que davam acesso ao quintal da casa dos Olivais.
Acompanhávamos a mãe à arrecadação do andar de cima onde descobríamos caixas de
sapatos das quais surgiam fitas, bolas, pássaros de vidro e as luzes coloridas
de que tanto gostávamos.
O
presépio era feito numa espécie de prateleira, junto à lareira, destinada a
arrumar a lenha. Sobre um papel pardo, coberto de musgo, colocávamos a cabana
de madeira e cortiça e depois as várias figuras. Um palito era ajustado nas
mãos de José em substituição do cajado sempre desaparecido em arrumações do ano
anterior.
Os
pais mandavam-nos para a cama com explicações de tenras idades e necessidades
de dormir. Com promessas de que, na manhã seguinte, teríamos os nossos sapatos
(entretanto deixados junto da lareira), recheados de presentes.
Lá
adormecíamos resignados e com a imaginação a fervilhar de adivinhas e desejos.
Já
longe iam os sonhos quando, um pouco após das doze badaladas, os pais nos iam
acordar com notícias de visitas do Pai Natal. Descíamos à sala em pijama e
pantufas, quais Anita e Pedro do livro da mana.
Recordo
ter desembrulhado uma caixa enorme e de ver surgir a pista de carros de corrida
que foi, durante anos, o meu brinquedo preferido. E ainda, dentro do meu
sapato, um pacote de Sugus de morango
(os meus preferidos).
Há
fotografias que a nossa memória tira para só mais tarde as contemplarmos. Uma
que guardo com especial ternura é aquela em que vejo a felicidade brilhar nos
olhos dos pais, só por terem conseguido preparar aquele momento mágico para
nós.
Este
foi um exemplo que, mais tarde, quis repetir com os meus filhos. E, quando lá
cheguei, fi-lo com todo o carinho que me tinha sido ensinado. Os calendários do
advento, o pinheiro com as luzes a brilhar, o presépio, os doces. Tudo o que só
nesta época surgia para a marcar e que pudesse criar aquele feitiço que, a mim,
me tinha feito feliz, queria imitar. A maior felicidade que sempre consegui
sentir foi aquela que resultou de ver os meus filhos felizes.
Aquela
exaltação da contagem decrescente de dias até à consoada pertencia agora aos
mais novos.
Recordo
os tempos desta transição. Quando descobrimos que, afinal, o Pai Natal não
existia. Que eram os nossos pais que nos compravam os presentes. Do desejo do
brinquedo à desilusão do tradicional par de peúgas. Da preferência pelo
dinheiro para que pudesse ir eu comprar o que mais gostava. Do jeito que um
cheque dava para ajudar a pagar as ofertas aos outros ou o seguro do carro que
teima em aparecer sempre no fim do ano.
A
consciência da quadra que de religiosa já pouco tem, para além duma ou outra
Missa do Galo.
O
sentimento do ter que ser. De parecer mal não ter um presente para oferecer. 'É
uma coisa sem importância. Só uma pequena lembrança. Espero que goste.' e o
presenteado a agradecer ‘Que giro. Era mesmo isto que eu queria… O que é?’
O
resumir-se a transações comerciais de última hora. Entradas e saídas de caixa
num final de saldo negativo.
Para que seja um bom Natal, hoje só me interessa poder estar numa noite de paz com aqueles de
quem gosto. De conversar com os meus irmãos, de ver os filhos a conviverem com
os primos, em noitadas que duram até ao nosso pequeno-almoço. De ver a geração dos
filhos a fazer magia aos netos. E de poder passar só mais um Natal com o meu
pai.