Foi há dois anos, em dezembro que
combinámos um almoço de família, lá em casa. Entre pais, filhos e já respetivos
destes, somávamos nove a mesa.
A desculpa para querermos estar
simplesmente juntos, dessa vez era de peso: o Francisco (o mais velho dos descendentes)
ia partir daí a dois dias numa viagem pelo mundo. Depois de alguns anos de
escoteiro e de cerca de seis no Técnico, onde fez engenharia do ambiente,
decidiu mergulhar numa aventura na qual não só se propunha desenvolver os
conhecimentos em permacultura, mas, sobretudo, encontrar-se a si próprio.
O viajante ia com rota mais ou
menos definida: Índia, Nepal, Austrália, Nova Zelândia, Indonésia, Filipinas, Califórnia.
Hoje amanheceu em Guadalajara no México. Depois, acho que nem ele ainda sabe o
destino.
Nos dias que correm, fazer
viagens de férias, não é razão para grandes cuidados, mas quando vemos um filho
partir para uma proeza destas, não ficamos propriamente tranquilos. Sempre
tentei não ser um pai muito cacarejante, mas confesso que neste caso, vários
são os sentimentos que por mim têm passado: saudades, medo de não o voltar a
ver…
Mas há que pensar nele e não em
mim.
O Francisco teve a engraçada
ideia de levar para esta nossa reunião alguns pertences seus que distribuiu por
cada um de nós, pedindo que tomássemos conta do seu tesouro e que o
utilizássemos quando pensássemos nele. A mim calhou-me uma tigela tibetana e,
várias vezes, dei comigo a produzir com ela sons, certo que o meu filho, lá
misturado com os antípodas, sentia as ondas das minhas saudades.
É curioso como nos vamos tentando
sossegar ao longo do crescimento dos nossos filhos 'Agora já e mais tranquilo
porque já começou a andar. ' ou 'Já fico mais descansado, porque já vai sozinho
para a escola.' e mais tarde ' Como já tirou a carta, empresto-lhe o carro e já
não precisa de voltar para casa de transportes.' Passados vinte e oito anos
achamos que vai ser uma vida despreocupada, pois já são adultos e já sabem
tomar conta deles. Mas que imenso engano!
Este ano em que fez trinta, achei
que escrever-lhe uma carta seria o melhor abraço que lhe poderia dar à
distância física a que nos encontramos.
E assim orou a dita missiva:
«Meu querido e excelente Filho
Francisco,
(é favor por a tocar esta música que há muitos anos deixaste que fosse gravada na tua memória)
1984, junho 23, cerca das 14:35
encontrava-me eu e, principalmente a Mãe, numa pequena sala de operações duma
clínica em Lisboa. Ela deitada e eu, do seu lado esquerdo, observava tudo e
tentava em vão minimizar o sofrimento por que passava (ainda hoje estou para
saber onde foram parar os botões da minha camisa, arrancados a cada contração
cada vez mais forte). A dada altura, no meio daquela espécie de transe em que
me sentia, o médico sugeriu-me melhor posição e explicou:
'Repare, já se vê a cabeça!'.
Em frações de tempo que não
consegui, nem consigo precisar terem sido horas, minutos ou segundos apareceste
tu pela primeira vez na minha vida (e principalmente na tua). Entre pequenino e
todo ensanguentado, reparei na tua cabeça e pensei:
'Ai coitadinho que tem a cabeça
em bico como o avô'.
As enfermeiras levaram-te e
quando te voltei a ver junto a um calorífero, já estavas todo limpinho, a
cabeça curiosamente já redondinha e vestido com roupas uns dez tamanhos acima,
apesar de escolhidas entre as mais pequenas.
Nunca mais me esquecerei deste
momento em que a minha vida mudou para sempre!
Durante os trinta anos que se
seguiram até hoje, muito aconteceu e sinto: alegria, preocupação, dedicação,
felicidade e sobretudo muito Amor.
Decidiste partir à procura da tua
vida e de ti. Hoje mais do que nunca, há que saber reinventar a vida e tu és dos
poucos que estás a saber fazê-lo. Nunca na vida hei de ter as experiências
pelas quais estás a passar. Sinto a tua falta, mas (tu sabes) fico feliz por
ti.
Como dizia um tal de Laurence
Sterne «Nós gostamos das pessoas menos pelo bem que elas nos fizeram que pelo
bem que lhes fizemos a elas». No caso das relações pais-filhos, sempre achei
que esta esta ideia deveria servir (sempre) como uma luva. Os filhos não são
nossa propriedade, mas sim nossa responsabilidade.
Vejo hoje a tua sobrinha
‘bi-dente’ a gatinhar e vejo-te a ti há trinta anos. Vejo o ar ternurento e a
abundante baba do teu mano e vejo-me a mim desde há três décadas. Esta é uma
inexplicável experiência em que obviamente te ganho (toma!).
Diz-me que estás feliz e fazes-me
continuar feliz. Por aqui, parece-me que começou a chover, pois já senti
algumas gotas a escorrer, devagar, pela minha cara, como que lágrimas (se
calhar lágrimas).
Muitos e muito Parabéns pelas
tuas três décadas e faz-nos o favor de passares um O DIA super feliz! E, já agora,
o resto da tua vida.
Saudades e um enorme abraço,
Pai»
Saudades são muitas, e nem os breves minutos que falamos com ele chegam para as matar. Lembro-me desse almoço, onde apesar de estarmos a dizer um até já ao mano mais velho, houve muita recordação, lágrimas e memórias. Quem sabe daqui a um ano, estamos no mesmo local, mais experientes, com laços mais fortes e em maior número :)
ResponderEliminarOntem fazia 2 anos exactos que apanhava esse avião da TAP que me levava a Munique. Hoje, já com a volta ao mundo quase feita por nascente, chego ao México.
ResponderEliminarTodos nós conhecemos a história dos portugueses. Parece que em tempos havia muita vontade de explorar um mundo desconhecido. Os que ficaram, mulheres, filhos e antigos, de segurança e ânimo não tinham nada. Mas ainda assim os nossos "avôs" lançaram-se ao mar desconhecido e triunfaram no regresso a casa. Missão cumprida e um povo orgulhoso.
Pois há dois anos que seguia em direcção a Goa, porto português em terras indianas. Sinto-me um Fernão de Magalhães. Mas ao menos "sobrevivi" às Filipinas (falta a Indonésia aí na lista).
A demanda continua e muitas experiências esperam por ser partilhadas. Ao fim ao cabo esta aventura é também por vocês. Saudades são sempre muitas (=
adorei, e já desconfiava que seria assim. Até agora aquele pensamento "ah bom, já não cai a andar" tem logo outro a sefuir "ai , para onde é que ele está a ir?" :)
ResponderEliminarPois é Dina, É uma constante preocupação com a qual temos que saber viver, mas que nos dá uma tão grande felicidade, quase impossível de contar a quem ainda não passou por ela. Muito obrigado por me leres e pelos teus comentários.
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