Certo dia, até então igual a todos os outros,
encontrei um colega no corredor do escritório da empresa. Trocámos cumprimentos
e frases circunstanciais até à famosa 'Então? Novidades?', que lhe lancei.
'Vou ser pai!' disse-me. Todo ele dentes e luz no olhar.
'Tu que já tens três filhos diz-me lá como é ser pai.'
À velocidade da luz, a minha memória recuou ao momento
em que fiz, a mim próprio, a mesma pergunta. Não era assunto que se pensasse do
dia para a noite, mas, passados alguns dias, ao achar que não conseguia
condensar melhor ideia, resolvi escrevê-la:
'Que azar nunca ter tido a sorte de saber o que agora
vou enfrentar.'
A resposta que dei ao meu colega tinha já, na altura, cerca de vinte anos: 'Ser pai é uma maravilha que, só se consegue perceber
depois de o ser.' A história repetiu-se e, até hoje, todos os recém pais, confirmaram
assim ser.
Mas ser-se pai não é um momento de novidade,
transmitida pela enfermeira de serviço na maternidade e pronto. Assim como que à
guisa de quem adquiriu um novo brinquedo.
Nem sequer é, só o colocar da mão na testa da futura
mamã, derivado de enjoos noturnos ou mesmo ir em romarias às sessões da tarde
das ecografias. Estes momentos são apenas o início de todo o resto da nossa
vida.
Ser-se pai é muito mais do que o ter sido. Lembro-me
do primeiro dia em que pensei que o meu maior medo era (e continua ser) falhar
enquanto pai. Faltar naquele momento em que era preciso e não estava lá, ou
porque não reparei, ou porque vi mas não agi (é tão fácil acontecerem estas
coisas).
Ser-se pai não é dar banho e dar de jantar aos filhos,
vesti-los bonitos para simplesmente os exibir qual troféu aos espetadores. Não
é levá-los às escola para serem doutores e, no fim, aprenderem apenas a tomar
conta de nós. Os filhos não são nossa propriedade, mas sim nossa
responsabilidade.
Não é dar gadgets e dizer: ‘Agora deixa o pai ler o
jornal, sim?’
Não é pagar explicações, perdendo a oportunidade de
transmitir hábitos de trabalho e, consequentemente, a possibilidade de ensinar
responsabilidade.
Não é deixar pensar que a vida nos dá as coisas sem
que para isso tenhamos que lutar. Não é mentir, escondendo-lhes que a vida
também é feita de frustrações com as quais precisamos de saber lidar, para
também nos sabermos levantar.
Ser-se pai, é ensinar a voar, por muito medo que
tenhamos de ver os nossos filhos cair.
Não consigo imaginar como se pode ser pai, sem se
ficar despedaçado quando vemos uma nossa filha partir (mesmo que para perto).
Ou pior, quando a vemos ao nosso lado, mas sabemos que escolheu (ou alguém por
ela) ficar longe de nós. Acho que ainda assim, um pai deve teimar em esperar.
Quando chega a notícia da doença que uma filha tem, não
consigo conceber outra coisa que não seja dor.
É demasiado fácil apontar o dedo àquilo que sabemos
ser mal, só porque tivemos a sorte de ter tido alguém que nos ensinou. Muito
mais difícil é olharmos e conseguirmos ver. E alcançarmos sozinhos o que nunca
nos mostraram.
Sei que houve momentos em que falhei. Mas considero
também que sempre tentei não cair na arrogância de pensar que tudo sabia.
Sinto que uma das melhores formas que temos de mimar
os nossos filhos, é conseguirmos dizer, na melhor altura possível, o que deles
pensamos. A carta seguinte, escrevi-a à minha filha no seu vigésimo sexto
aniversário. Porque as finanças não vão famosas, foi o melhor que lhe consegui
dar.
«Minha querida e excelente Filha Margarida,
Foi num sábado de julho, cerca das 16:20 que, no
hospital, a pediatra de serviço me disse: ‘Parabéns, a sua filha é tão bonita.
Vou buscá-la…’. Vi-te pela primeira vez nas nossas vidas, mas a médica tinha-se
enganado. Não eras simplesmente bonita… Eras a bebé mais linda que alguma vez
tinha visto.
Tens agora (27,28…) 26 anos e até hoje, muito
aconteceu e o que sinto é: alegria, preocupação, dedicação, felicidade e
sobretudo muito Amor.
Tu és a responsabilidade em pessoa. Tens (alguns
diriam a teimosia, embora eu diga) a determinação necessária para conseguires
aquilo que queres e sobretudo aquilo que precisas na tua vida.
Preferes «escorregar nos becos lamacentos, Redemoinhar
aos ventos, Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,… A ir por aí...»
(engraçado como ainda hoje gosta de ler o Cântico negro)
Acho que tentas remediar os desequilíbrios da vida e
por isso queres e gostas de tratar de quem amas. Ou daqueles que queres que te
amem, para depois os poder amar.
Fá-lo porque precisas que gostem de ti. Todos nós
precisamos que gostem de nós, mas nem todos o sabemos. Ou queremos que o saibam
de nós. Só porque o teu altruísmo diz que deves tratar deles.
Penso, contudo que, o teu sentido de responsabilidade
te deveria incluir nessa lista de pessoas que queres amar. Talvez mesmo em
primeiro lugar (pelo menos algumas vezes).
É que a primeira pessoa que precisas que goste de ti,
és tu.
Os outros depois irão gostar de ti (sem perceberem bem
porquê). Um pouco como quando há um rapaz que gosta de ti, de repente à tua
volta todos te acham graça e todos querem gostar mais de ti que o vizinho do
lado.
Gostava de experimentar um dia (só por um dia) ser um
dos teus filhos. Tenho a certeza que não pode haver melhor forma de se sentir
avalanches de amor a caírem sobre nós.
Muitos e muitos Parabéns pelos (27,25…) 26 anos e
faz-nos o favor de passares um O DIA super feliz! E, já agora, o resto da tua
vida.
Não te esqueças que em primeiro lugar tens que gostar
de ti. Pelo menos o menos o que eu muito gosto de ti.
Beijos enormes…
Pai»
Sem comentários:
Enviar um comentário