quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Da minha janela vejo o mar


Da minha janela vejo o mar. Por vezes sento-me a contemplá-lo, para mim, sempre bonito. Na primavera com aquele azul único, de inverno, quando revolto, com aquelas ondas magníficas e nas noites de verão quando reflete a luz do luar.

E aproximando a visão de mim, vou reparando nos prédios, nas árvores e no gato que passeia pelo muro da casa em frente.
Os meus vizinhos que moram um pouco mais acima na encosta têm uma vista ainda melhor. Conseguem ver o mar, mas também a minha casa.
Quando estava para a comprar ainda pensei ficar com aquela mais elevada, mas era bastante mais cara e além disso já tinha sido reservada pelos atuais donos.

Um dia, estava eu a contemplar esta deslumbrante paisagem, quando a minha vista se cruza com uma das janelas da casa em frente e reparo numa movimentação agitada e acompanhada de gritinhos. Sem conseguir evitar, olho com mais atenção e vejo o casal a brincar, nesses modernos rituais de acasalamento. Ele corria atrás dela e ela a gritava: 'Não! Não!'

Achei que era altura de deixar de espreitar, respeitando assim a privacidade que todos merecemos. Mas entretanto um grito que, me pareceu diferente, sobressaltou-me. Como que de medo, horror.
Olho de novo e vejo que a perseguição do marido tinha acabado no quarto do casal (a janela mais à direita) e a desejada presa deitada na cama. 

'Não! Não!' repetia a mulher.

Mais atenta reparo que ele lhe batia primeiro com empurrões e depois com murros e pontapés. Até que ela se imobilizou, já no chão, no canto do quarto.

Fiquei horrorizada.

Dias mais tarde, encontro aquela minha vizinha no café do bairro, de óculos escuros. Dizia, em conversa com a sua companhia de mesa que se sentia feliz e que, apesar de tudo, sempre tinha alguém com quem falar e que a amava mesmo quando se enervava. E sabia que um dia as coisas iriam melhorar.

Pensei que estas histórias só aconteciam em notícias sensacionalistas daquele canal de televisão de péssima qualidade.

Não consigo entender como se pode viver assim.

Felizmente o José nunca me tocou. Nem eu deixaria. Tivemos outra formação. Muito embora se diga que estas situações não escolhem estrato social. Podem acontecer com um funcionário das finanças ou gestor de conta ou mesmo com ministros.

Mas que vida. Por que é que ela não sai de casa e acaba com tudo aquilo?

Realmente queixamo-nos nós das nossas dificuldades. Eu, felizmente, só tenho problemas de gente comum. Aquilo que me vai apoquentando são as contas e saber como vou arranjar dinheiro para pagar o carro e a casa no fim do mês. E isto se não se lembrarem de me despedir.

Há dias, os meus vizinhos da casa que fica mais acima na encosta convidaram-me para jantar. Quando olhei pela janela, lá observei o mar e também a minha casa. E não sei porquê, imaginei ver-me lá dentro, sentada na mesa da sala, triste, às voltas com as minhas contabilidades.

Em calhando, devia por de lado as minhas desculpas e entregar a casa ao banco, deixar o carro e partir para outra terra à procura de melhor vida. Ainda que mais modesta, que não me fizesse andar a contar os trocos em aritméticas desesperadas. 

De contrário, ainda me acontece ter algum gestor de conta ou mesmo um ministro a correr atrás de mim para me espancar.

É que, a última coisa que quero perder, é a minha dignidade. Ou será que já a perdi?

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