Não
sei se já nasceu comigo ou foi depois crescendo em mim, o prazer de fazer felizes
aqueles de quem gosto.
Sempre
tive preocupações para que nada (ao meu alcance) lhes faltasse e que tudo
corresse bem. Com certeza por resultados da formação transmitida em exemplos de
inquietações, medos e dúvidas.
Contudo,
só consigo conceber gostar das pessoas quando as respeito e admiro. E calculo
que o mesmo aconteça quando me dizem gostar de mim. Caso contrário, será com
certeza mais um daqueles casos em que me vão tratar bem só até que consigam o
que querem de mim.
Desde
sempre quis ter uma família grande e poder contribuir para a alegria de todos.
De organizar jantares animados, Natais com magia e receber os amigos lá em
casa, sempre que, por qualquer razão, lhes apetecesse aparecer. Cheguei mesmo a
dizer a todos que, lá em casa, recebíamos às terças e sábados, como que num
romance de Tolstoi.
Quando
entrava numa prova de corrida, procurava sempre ajudar aqueles que me
acompanhavam, puxando por eles, motivando-os para que conseguissem terminar a
corrida. Alguns diriam que não sou competitivo, embora eu sinta que a vida se
ganha duma outra maneira.
E
desta forma vivi alegre, só por ver os outros ficarem felizes. Muitas vezes até
comovido, por gostar mais das pessoas pelo bem que lhes faço do que pelo bem
que elas me fazem a mim.
Vi
os meus filhos crescer e senti as contrariedades que surgem e são naturais nos
adolescentes.
Achava
que tudo o que fazia era feito em prol do seu bem-estar (todos nós o achamos)
e, consequente, da minha felicidade. Entendia porém (nem todos o entendem) que
podia errar e que devia por isso por em causa as minhas convicções como forma
de validar estarem estas corretas ou não.
Comecei
a sentir que cada vez mais não ligavam ao que dizia. Ouviam-me sem me escutar.
Diziam-me que me tinha esquecido, fazendo-me acreditar que a minha memória
fugia de mim.
A
dada altura comecei a experimentar um certo mau estar quando frequentava
espaços com muita gente. Desejos de fins-de semana sozinho. Necessidades de
descansar.
Mas
fui teimando e lutando pela vida. E lá reencontrei o meu equilíbrio.
Um
dia, mais tarde, em conversa com a minha filha mais nova e tentando passar-lhe
aqueles princípios em que acreditava (não me ensinaram outros), senti que o som
se dissipava e a visão turvava. E pareceu-me ver os seus olhos húmidos numa
expressão de quem tem pena, mas não consegue fazer nada. De quem se sente de
mãos atadas.
E
só então julguei perceber.
Estou
deste lado. Não sei se hoje se há anos. Julgo que estou a falar mas não, apenas
recordo conversas longínquas. Por isso só preocupo os que me rodeiam. Tenho que
me ver ao espelho. Não me lembro de me ter vestido hoje. Parece não haver
comunicação. O meu prato? Não sei se comi ou se me deram de comer. Ela tem ar de quem olha
para alguém que não se lembra dela. Mas eu lembro-me. Eu lembro-me de ti filha.
Só não consigo falar. Pelo menos na mesma língua. Deves-me achar doente,
demente. Se calhar estou. Que raio! Isto de estar para aqui fechado, preso,
continuando a adorar a minha filha, mas
sem lhe conseguir dizer o que queria dizer. Inútil no amor que sempre lhe quis transmitir.
Não sei se ainda cá estou. Se ainda aí estou. Ou
se já morri e só te vejo, ao longe, da memória do que ainda me resta.
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