Quando
era criança e, por alturas do Natal, me levavam ao circo, costumava ficar
cristalizado com as representações dos mágicos, como era hábito chamar-lhes na
altura. Ao contrário da maior parte da criançada (e talvez alguns congéneres
adultos) que ansiava pela chegada dos palhaços, eu admirava aquela arte e
tentava em vão descobrir truques e ilusões.
Mais
tarde, quando li a primeira história de Sherlock Holmes, fiquei fascinado com a
sua ciência da dedução. Conjugações de caminhares, idades, estilos de barba e
tatuagens certas, determinavam, com elevado intervalo de confiança, tratar-se,
por exemplo, da aproximação de um sargento da marinha, reformado.
Estas
eram duas atividades que exigiam o gosto e a capacidade de reparar nas coisas e
daí retirar algumas conclusões, senão mesmo resolver mistérios.
Contudo,
fui confrontado com um sentimento ambíguo, não conseguindo perceber o porquê de
tanto esforço quando, afinal, com uma simples apreciação do que uma pessoa traz
calçado, se conseguir perceber o tipo da pessoa observada.
Existe,
realmente, uma estreita relação entre o carácter da pessoa e o calçado que ela
usa.
E
não se trata de uma questão de gosto. Nem de quem o usa nem de quem o
contempla. Uma pessoa pode apreciar muito um determinado calçado, mas este não
se enquadrar esteticamente com a sua silhueta e vestuário usado. Sendo isto
indicador dum maior ou menor sentido de estética da pessoa, e consequentemente
características de arrumação de ideias.
Por
exemplo. Eu gosto de ver socas, há quem goste de as usar, mas sendo peças
pesadas, não harmonizam com pernas demasiadamente magras (na hipótese de saias
em vez de calças).
Por
outro lado, a moda adotada por cada um associa, sem grandes margens para erros,
a pessoa a um determinado grupo padrão. O caso dos jovens estudantes que usam
(todos eles) a mesma marca de ténis é um simples exemplo deste caso.
Julgo
também ser inquestionável o efeito que uns sapatos de salto alto produzem em
pernas femininas, realçando as suas formas e tornando-as mais elegantes. Mas
usá-los em momentos em que é necessário conforto, como por exagero numa
caminhada, pode evidenciar um desnorte da capacidade de decisões.
Comprar
um par de sapatos ou botas, de valor mais elevado, é meio caminho para se ter
exemplares mais bonitos. Ainda assim, creio que já todos vimos o efeito de
calçado de marca cara a ser sumariamente aniquilado por uma má conjugação, quer
de estética quer de ocasião.
Certo
dia, estava eu com um grupo de amigos a festejar uma qualquer situação, quando
atento, numa das presentes, aquela que tinha sido a sua melhor escolha de
calçado para a ocasião. De imediato, comentei com um amigo, a quem já tinha
tido oportunidade de explicar o meu ponto de vista: 'Repara no que a nossa
amiga traz calçado. Tem ou não tudo a ver com o que ela é?'
Este
meu amigo que muito prezo e que não facilmente se verga perante tão grandes
evidências, sem que recorra a preleções argumentativas várias, lá retorquiu, 'A
tua teoria, de nada me serve, porque antes de a ter visto com estes sapatos, já
eu sabia que ela teria este tipo de calçado.'
De
tão singela forma, o meu amigo acabava assim de comprovar esta minha teoria do
calçado.
E
não doutor, não voltei a ouvir vozes a sair das torneiras. Muito embora não
veja que mal possa isso ter, se por vezes as oiço dentro da minha cabeça. Como
se o cérebro tivesse um lapso e as guardasse diretamente na memória de longo ou
médio prazo, para mais tarde as lembrar na memória imediata e, dessa forma, me
dar a sensação de estarem a ser emitidas nesse momento e sem que ninguém por
perto esteja.
É
que, caramba, o material também se desgasta.
Gostei do diálogo entre amigos e achei este artigo de opinião muito bem fundamentado. Penso que de facto aquilo que calçamos em determinadas situações pode, sem sombra para dúvidas, demonstrar evidências sobre nós.
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