sábado, 11 de outubro de 2014

Felizmente hoje sinto-me triste




Felizmente hoje é um daqueles dias em que me sinto triste.
Talvez porque chegou o fim do mês de férias e a minha filha se vai embora. Talvez porque a agitação diminuiu dando-me tempo para pensar, para sentir.
Aquela música que pus a tocar, sinto-a. Sinto-a muito mais que nos outros dias. Sinto as colcheias, as sincopas, aquela terceira menor. Sinto a dor ou a alegria de quem escreveu a letra. Sinto arrepios e estremeções. Lágrimas e força.

Felizmente hoje é um daqueles dias em que me sinto triste.
Procuro, no fundo, memórias de me sentir bem. Penso em fumar um cigarro para voltar a sentir aquele bem-estar que um dia senti quando fumei. Não sei se o senti pelo cigarro ou se simplesmente o cigarro estava lá no dia em que me senti bem.
Quando sentimos saudades de alguém ou de alguma coisa, convém percebermos bem de quem ou do quê, pois corremos o risco de querer reviver algo que já não existe.

Felizmente hoje é um daqueles dias em que me sinto triste.
Porque nem a felicidade nem a tristeza são constantes e a partir de hoje irá ser sempre melhor. Porque consigo preparar melhor a fase seguinte, como imagino no surf, para apanhar a onda seguinte, temos que começar cá em baixo. E tal como o mar a vida imita uma sinusoidal cuja amplitude indica ser mais ou menos excitante. Não gostaria de chegar ao fim e, em jeito de balanço, pensar: 'Ah, a minha vida tem sido muito estável. Quase zero na escala de Beaufort.’

Felizmente hoje é um daqueles dias em que me sinto triste.
Porque vale a pena lembramo-nos das coisas olhando-as de outras formas. Como as recordações que tenho do espaço onde brincava na minha escola primária e do qual guardo na memória diferentes perspetivas.
Porque nos ajuda a valorizar aquilo que temos e que o hábito tende a fazer-nos esquecer.

Felizmente hoje é um daqueles dias em que me sinto triste.
Felizmente porque assim vivo mais do que nos dias preenchidos de afazeres do quotidiano que só me consomem o tempo da vida.

3 comentários:

  1. Boa, boa... quando é que esta versão de ti nasceu? Gosto de te sentir aberto e em modo expressivo. Força. Quero ler mais.

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  2. Pois... e "... corremos o risco de querer reviver algo que já não existe."

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  3. Muito obrigado Fox. Fico muito contente por ter gostado. Espero poder contribuir com mais....

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